Crítica | O Páramo (El páramo, 2021)

Família do século XIX é atormentada por força sobrenatural em 'O Páramo', novo filme do serviço de streaming Netflix, dirigido por David Casademunt


Asier Flores e Inma Cuesta como Diego e Lucía no filme 'O Páramo'
Asier Flores e Inma Cuesta como Diego e Lucía no filme 'O Páramo', de David Casademunt | ©Lander Larrañaga/Netflix


No clássico Poltergeist: O Fenômeno (1982), o incorporador imobiliário Steve Freeling ajuda o filho Robbie a superar seus medos, ensinando-o que é possível estimar se uma tempestade está se afastando, contando os segundos entre a luz do raio e o estrondo do trovão. Lucía, personagem interpretada por Inma Cuesta (A Voz Adormecida), faz o mesmo por seu filho, o pequeno Diego (Asier Flores, de Dor e Glória), em uma cena do drama de terror O Páramo, lançado esta semana no serviço de streaming Netflix.

A referência a Poltergeist não é aleatória, já que encarar suas fobias será importante para que o menino sobreviva à suposta ameaça que ronda sua casa: uma entidade sobrenatural conhecida como 'A Besta', que aparentemente se alimenta dos medos de suas vítimas por um longo período, antes de se materializar para o golpe final. O pai de Diego, Salvador (Roberto Álamo, de A Pele que Habito), afirma que quem vê a criatura está condenado à morte. Caberá ao menino provar que ele está errado.


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O cenário de O Páramo é uma fazenda em um canto remoto da Espanha do século XIX, escolhido pela família para escapar da violência que devastou seu país. Esse mico-universo desolado evoca lembranças de outro filme de terror recente: Terra Assombrada (2018), de Emma Tammi, onde a ótima Caitlin Gerard interpreta uma mulher das planícies enlouquecida pela dureza e isolamento da terra selvagem no final dos anos 1800.

Inma Cuesta e Roberto Álamo como Lucía e Salvador no filme 'O Páramo'
Inma Cuesta e Roberto Álamo como Lucía e Salvador no filme 'O Páramo', de David Casademunt | ©Lander Larrañaga/Netflix


Há outros detalhes que aproximam O Páramo de Terra Assombrada, como o marido que se ausenta, o comentário sobre como a solidão pode levar alguém à loucura. O roteiro é ambíguo, e incentiva o espectador a se questionar se a entidade é real ou uma ilusão compartilhada entre o menino e sua mãe. Lucía é a mais afetada, e a vemos frequentemente gastando a pouca munição que tem, disparando a espingarda da família para a escuridão, ou para algo que o espectador (e às vezes Diego) não conseguem ver.


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O diretor estreante David Casademunt e seus co-roteiristas Martí Lucas e Fran Menchón constroem uma história curiosa sobre amadurecimento e perda da inocência, ao mesmo tempo em que invertem o tropo do cinema de terror, sobre a mãe disposta a qualquer coisa para salvar o filho das forças do mal. O elenco entrega um trabalho consistente, com destaque para Inma Cuesta e Asier Flores, que a partir do segundo ato, carregam o filme praticamente sozinhos.

Asier Flores e Inma Cuesta como Diego e Lucía no filme 'O Páramo'
Asier Flores e Inma Cuesta como Diego e Lucía no filme 'O Páramo', de David Casademunt | ©Lander Larrañaga/Netflix


O Páramo se mantém interessante por algum tempo, mas algumas decisões do diretor comprometem a experiência. O ritmo é excessivamente arrastado, e acredito que o espectador mais impaciente terá dificuldades em continuar investido na história. Eu mesmo, que costumo ter uma certa tolerância com filmes de desenvolvimento lento, perdi o interesse antes de chegar ao último ato. A maneira morna como o filme termina não colaborou para que minha empolgação retornasse.

Uma imagem chocante no primeiro ato e um ou dois momentos enervantes no escuro (as idas noturnas de Diego ao banheiro localizado a uma certa distância da casa são particularmente assustadoras) ajudam a afastar um pouco o tédio. Mas na maior parte do tempo, o diretor sugere mais do que mostra. E ao contrário de obras recentes de terror, como o horripilante Caveat, a sugestão não é bem trabalhada em O Páramo, e acaba contribuindo para que o filme fique ainda mais enfadonho.

Inma Cuesta e Asier Flores como Lucía e Diego no filme 'O Páramo'
Inma Cuesta e Asier Flores como Lucía e Diego no filme 'O Páramo', de David Casademunt | ©Lander Larrañaga/Netflix


No final, a sensação que tive foi de que, embora O Páramo se apresente como um filme de terror, o diretor estava mais interessado em entregar um drama cheio de metáforas do que em conversar com os fãs do gênero. Isso é uma pena, pois o cenário desolado, a casa rústica iluminada por lampiões e o clima crescente de desesperança no ar, ofereciam tudo que ele precisava para fazer as duas coisas.

Nota: 3.9/10

Título original: El páramo.
Gênero: Drama, terror, mistério.
Produção: 2021.
Lançamento: 2022.
País: Espanha.
Duração: 1h 32m.
Roteiro: David Casademunt, Martí Lucas, Fran Menchón.
Direção: David Casademunt.
Elenco: Inma Cuesta, Asier Flores, Roberto Álamo, Alejandra Howard, Víctor Benjumea.

Ed Walter

Criador da 'Sangue Tipo B' e escritor na comunidade de filmes de terror desde 2017. Apaixonado por filmes de terror dos anos 70 e 80. Joga 'Skyrim' até hoje.

1 Comentários

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  1. Crítica excelente e precisa. Um "problema" desse tipo de horror super aberto quanto a explicação, no estilo de Ao Cair Da Noite, é que rapidamente você percebe que não terá um motivo detalhado para a situação do mundo ou do que está acontecendo e que se trata mais do desenvolvimento das personagens na trama, que no caso de O Páramo é difícil de investir interesse.

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