O horror escondido atrás da lona colorida
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Amy descobre que entrar na "Funhouse" é fácil. Já sair... |
No início da década de 1980, Steven Spielberg pediu a Tobe Hooper que dirigisse um filme de ficção científica sobre um alienígena bonzinho que tenta ligar para casa. Hooper recusou, pois estava envolvido em outro projeto. O filme do alienígena, como você provavelmente já deve ter adivinhado, era o futuro clássico E.T.: O Extraterrestre. O projeto de Hooper, bem menos lembrado, era um filme de monstro batizado de The Funhouse, que no Brasil ganhou o chamativo título Pague para Entrar, Reze para Sair.
Essa joia subestimada do terror oitentista mergulha no universo decadente e ilusório de um parque de diversões itinerante, extraindo dele não apenas um cenário visualmente impactante, mas também uma metáfora sutil sobre os horrores escondidos sob superfícies aparentemente inofensivas. Embora lançado no início da febre dos slashers dos anos 80, o filme opta por um caminho menos convencional: reduz ao mínimo o sangue derramado e aposta em ambientação, tensão crescente e uma criatura de visual marcante para criar um terror atmosférico e eficaz.
Pague para Entrar, Reze para Sair começa a todo vapor, homenageando os filmes giallo, Hitchcock e John Carpenter, enquanto apresenta sua protagonista: uma jovem aspirante a garota rebelde chamada Amy, que está se preparando para uma noite de diversão com seu novo namorado, Buzz. Richie e sua namorada, a exuberante Liz, pegam carona com eles. O destino é um parque de diversões, desses que parecem saídos de um sonho febril, com suas luzes piscantes, bonecos animatrônicos decadentes e barraquinhas de tiro ao alvo.
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Amy e seus amigos descobrem o mundo maravilhoso dos parques de diversões em 'Pague para Entrar, Reze para Sair' |
Após algumas cervejas e uma sessão de cartomancia, os quatro decidem passar a noite escondidos dentro da atração principal: a funhouse, ou trem fantasma. Mas o que começa como uma travessura adolescente rapidamente assume contornos macabros quando eles testemunham um crime brutal. Os quatro terão que enfrentar uma criatura deformada (interpretada pelo sapateador profissional Wayne Doba) e seu cúmplice, figuras moralmente falidas, dispostas a tudo para que seu segredo não seja exposto.
A metade inicial de Pague para Entrar, Reze para Sair, com tom quase documental, se destaca pela ambientação. O parque concebido por Hooper é sujo, ruidoso, decadente, um microcosmo de podridão humana disfarçado sob cores vibrantes e promessas de diversão. É um espaço onde o grotesco é normalizado, onde aberrações físicas convivem com desvios morais e onde a morte pode se esconder atrás de qualquer cortina de veludo encardido.
Hooper não romantiza o espaço circense. Ao contrário, cada brinquedo parece prestes a quebrar, cada trabalhador do parque emana uma estranheza incômoda. A funhouse em si é um labirinto de sons metálicos, luzes piscando e manequins em decomposição que ficam ainda mais assustadores conforme as luzes se apagam e o silêncio toma conta do lugar. É algo mais próximo de um purgatório mecânico do que de uma atração para adolescentes.
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Amy e Liz, interpretadas Elizabeth Berridge e Largo Woodruff, no filme 'Pague para Entrar, Reze para Sair' |
O diretor constrói o suspense com ritmo pausado e direção precisa. A ameaça não vem apenas do monstro deformado — que, aliás, só revela sua verdadeira face após quase uma hora de filme —, mas da sensação constante de aprisionamento, da certeza de que o mundo “lá fora” não está mais acessível. É uma obra que aposta na construção lenta da tensão, nos silêncios incômodos e nas imagens perturbadoras para causar desconforto.
Essa escolha estilística, que aproxima o filme mais do horror psicológico do que da pura contagem de corpos, pode afastar espectadores acostumados com fórmulas mais aceleradas. Mas Hooper recompensa no último ato, quando o filme assume um ritmo muito mais frenético. Há confrontos, mortes e momentos de puro terror, com destaque para a perseguição final entre Amy e a criatura no interior da funhouse, conduzida com maestria e elevada por uma trilha sonora claustrofóbica de John Beal.
Elizabeth Berridge (Amadeus), no papel da protagonista Amy, entrega uma performance contida, mas eficaz. Sua transformação de adolescente indecisa para sobrevivente determinada (ainda que um pouco assustada) acontece aos poucos, sem exageros. Cooper Huckabee (O Homem da Montanha) e Miles Chapin (O Sócio) cumprem bem o papel de amigos inconsequentes, mas com camadas que os distanciam de estereótipos. Largo Woodruff (Olhos Famintos 2) traz um toque extra de beleza e doçura para esse universo tão sombrio.
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Liz tenta adivinhar de onde virá o perigo em 'Pague para Entrar, Reze para Sair' |
O filme apresenta uma trama paralela focada no irmão de Amy, Joey (Shawn Carson, de No Templo das Tentações), um garotinho aparentemente fanático por filmes de terror, que vai ao parque sem o conhecimento dos pais. A história de Joey não acrescenta muito ao filme, mas serve para nos apresentar mais áreas do parque e gerar algumas situações de suspense. Enquanto isso, Kevin Conway (Sobre Meninos e Lobos), em múltiplos papéis como apresentadores do parque, dá um toque a mais de inquietação à experiência.
Comparado com O Massacre da Serra Elétrica, a obra-prima brutal de Hooper, Pague para Entrar, Reze para Sair parece um exercício de estilo mais controlado, menos anárquico, mas igualmente incômodo. Ainda no terreno das comparações, não é um filme tão polido quanto Poltergeist, nem tão bombástico quanto Força Sinistra, mas bastante eficaz em sua proposta: a de divertir e de mostrar que o horror pode se esconder onde menos se espera, inclusive atrás do sorriso congelado de um palhaço animatrônico.
Nota: 7/10
Título Original: The Funhouse.
Título Nacional: Pague para Entrar, Reze para Sair.
Gênero: Terror.
Produção: 1981.
Lançamento: 1981.
País: Estados Unidos da América.
Duração: 1 h 36 min.
Roteiro: Lawrence J. Block.
Direção: Tobe Hooper.
Elenco: Elizabeth Berridge, Shawn Carson, Jeanne Austin, Jack McDermott, Cooper Huckabee, Largo Woodruff, Miles Chapin, David Carson, Sonia Zomina, Ralph Morino, Kevin Conway, Jeanne Austin, Mona Agar, Wayne Doba, William Finley, Susie Malnik, Sylvia Miles, Sid Raymond, Larry Ross, Sorcha Cusack, Frank Grimes.
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