O horror invade o lar americano nessa obra-prima dirigida por Tobe Hooper e produzida por Steven Spielberg
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A pequena Carol Anne (Heather O’Rourke) é o epicentro de eventos sobrenaturais no filme 'Poltergeist: O Fenômeno'. Foto: © 1982 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved |
Poltergeist é uma palavra de origem alemã que pode ser traduzida como "fantasma barulhento" ou "espírito barulhento". É geralmente associada a manifestações físicas inexplicáveis, como objetos que se movem sozinhos e outros distúrbios. A palavra também serve como título para um dos maiores clássicos do cinema da década de 1980: um terror sobrenatural que muitos consideram o melhor filme de casa assombrada já feito.
Lançado no Brasil como Poltergeist: O Fenômeno, o filme marca um ponto de inflexão no gênero: uma ponte entre o terror sobrenatural clássico e o blockbuster moderno. Essa preciosidade oitentista tem direção de Tobe Hooper, o homem por trás de O Massacre da Serra Elétrica, Força Sinistra e Pague Para Entrar, Reze Para Sair. Porém, a influência de Steven Spielberg (Tubarão), que produziu, coescreveu e supervisou o projeto, é evidente em cada cena.
A família Freeling mora em uma casa confortável em Cuesta Verde, uma daquelas comunidades planejadas que floresceram nos Estados Unidos pós-guerra. Steve (Craig T. Nelson) é corretor de imóveis e trabalha para a própria construtora que ergueu a vizinhança. Diane (JoBeth Williams) é uma mãe jovem e espirituosa, cuidando da filha adolescente Dana (Dominique Dunne), do menino Robbie (Oliver Robins) e da caçula Carol Anne (Heather O’Rourke), que logo se torna o epicentro de eventos sobrenaturais.
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Oliver Robins interpreta o garotinho Robbie no filme 'Poltergeist: O Fenômeno'. Foto: © 1982 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved |
Quando móveis começam a deslizar pelo chão e luzes piscam sem explicação, Diane reage com inesperada empolgação. Mas o que a princípio parecia inofensivo toma um rumo sombrio quando Carol Anne desaparece, e tudo indica que ela foi levada para o além. A partir daí, a família recorre a parapsicólogos e, mais tarde, a uma médium (a inesquecível Zelda Rubinstein como Tangina) para confrontar uma força invisível que transformou o lar perfeito em um portal para o outro mundo.
Diferente do ambiente gótico ou isolado que marca boa parte dos filmes de casa assombrada, Poltergeist opta por ambientar o sobrenatural no coração da vida suburbana americana. A casa dos Freeling é clara, espaçosa, moderna, cheia de brinquedos, televisores e comodidades. E é exatamente essa familiaridade que torna os acontecimentos ainda mais perturbadores.
O horror não vem da escuridão, mas do que está à vista: o armário do quarto bem iluminado, a piscina em construção, a escada da sala, o barulho estático da TV no meio da noite. E, é claro, aquele palhaço assustador e a árvore antiga que parece observar todos os movimentos da família do quintal da casa.
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A família Freeling descobre que sua casa é assombrada no filme 'Poltergeist: O Fenômeno'. Foto: © 1982 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved |
Mesmo com Spielberg imprimindo sua estética e ritmo na produção, Hooper sabe como extrair tensão de detalhes: o zumbido elétrico dos aparelhos, a leve inclinação de uma cadeira, o rangido de um móvel movido por mãos invisíveis. A câmera se move com precisão, revelando a casa não como um refúgio, mas como um labirinto assombrado à luz do dia.
Poltergeist conta com efeitos especiais acima da média. Eram revolucionários à época, e continuam eficazes até hoje. O uso de efeitos práticos se destaca especialmente em cenas como o momento em que um dos parapsicólogos arranca pedaços de seu próprio rosto diante do espelho. Em outro momento, que faz aceno inesperado a O Enigma do Mal, Diane é atacada por uma força invisível e arrastada para o teto de seu quarto. E o que dizer da cena em que um vórtice sobrenatural toma conta do quarto das crianças, culminando em um dos momentos mais tensos do filme?
Há uma fisicalidade nos efeitos que contribui para o horror tangível da narrativa. O terror é visceral, com mãos esqueléticas (e alguns esqueletos inteiros) surgindo na água suja da piscina, e depois emergindo do piso da casa. Almas flutuam em meio a luzes ectoplasmáticas, e móveis voam com violência autêntica. As sequências mais intensas não dependem apenas de CGI (ainda incipiente), mas de design de produção cuidadoso e maquiagem prática de alto nível, que conferem peso e textura aos fenômenos paranormais.
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Coisas assustadoras acontecem na casa da família Freeling no filme 'Poltergeist: O Fenômeno'. Foto: © 1982 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved |
JoBeth Williams entrega uma das grandes performances do horror dos anos 80 como Diane. Sua descida da empolgação inicial à histeria controlada e, depois, à coragem desesperada de mãe lutando pelos filhos, é construída com sutileza e força emocional. Craig T. Nelson também é eficaz como o patriarca gradualmente desestabilizado pela revelação de que sua casa, e também as de toda a vizinhança, foram construídas em um local, digamos, inapropriado.
Heather O’Rourke carrega uma presença inquietante como Carol Anne: angelical, mas estranhamente distante, como se já estivesse meio do outro lado. É dela a frase "Eles estão aqui", que se tornou uma das mais icônicas do cinema de terror. O elenco coadjuvante, especialmente Zelda Rubinstein, adiciona textura ao filme, oferecendo uma contraposição mística e cômica à racionalidade falida dos cientistas.
O ritmo é exemplar. Poltergeist começa com sutileza, permitindo que os personagens e o ambiente se estabeleçam. Depois acelera gradativamente até culminar em uma explosão de caos sobrenatural nos últimos vinte minutos, com a casa literalmente desmoronando sobre os próprios segredos. A inesquecível trilha sonora de Jerry Goldsmith contribui para deixar cada momento ainda mais único.
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Fantasmas atormentam Diane (JoBeth Williams) no filme 'Poltergeist: O Fenômeno'. Foto: © 1982 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved |
Poltergeist não é apenas um excelente filme de terror. Ele é um marco na história do gênero por provar que o horror podia ser um fenômeno de massa sem perder força criativa. Ao contrário de outros sucessos comerciais da época, Hooper e Spielberg não diluem a estranheza nem os momentos verdadeiramente assustadores. O filme é palatável ao grande público, mas ainda capaz de perturbar profundamente.
Além disso, Poltergeist é uma crítica velada ao consumismo e à superficialidade do sonho americano. O horror surge não por acaso, mas como consequência direta da ganância corporativa. A televisão, símbolo máximo da vida moderna, torna-se o portal do mal. Em plena era Reagan, o filme sugere que o inferno pode estar escondido atrás da fachada brilhante do sucesso suburbano.
Mais de quatro décadas depois, Poltergeist: O Fenômeno segue sendo uma referência obrigatória no gênero. Misturando crítica social, efeitos de ponta, personagens envolventes e uma construção de tensão exemplar, o filme não apenas assusta, ele permanece no imaginário coletivo como uma lembrança incômoda de que, mesmo no conforto do lar, o horror pode estar esperando do outro lado da tela. Literalmente.
Nota: 10/10
Título Original: Poltergeist.
Título Nacional: Poltergeist: O Fenômeno.
Gênero: Terror.
Produção: 1982.
Lançamento: 1982.
País: Estados Unidos da América.
Duração: 1 h 54 min.
Roteiro: Steven Spielberg, Michael Grais, Mark Victor.
Direção: Tobe Hooper.
Elenco: Craig T. Nelson, JoBeth Williams, Beatrice Straight, Dominique Dunne, Oliver Robins, Heather O'Rourke, Michael McManus, Virginia Kiser, Martin Casella, Richard Lawson, Zelda Rubinstein, James Karen, Lou Perryman, Clair E. Leucart, Dirk Blocker.
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