Crítica | Emergência (Emergency, 2022)

Segundo longa-metragem do diretor Carey Williams, 'Emergência' segue dois jovens negros pesando os prós e contras de chamar a polícia após encontrar uma garota branca desmaiada em sua casa


RJ Cyler, Sebastian Chacon e Donald Elise Watkins como Sean, Kunle e Carlos no filme 'Emergência', de Carey Williams
RJ Cyler, Sebastian Chacon e Donald Elise Watkins como Sean, Kunle e Carlos no filme 'Emergência', de Carey Williams | © Amazon Studios


Se você assiste filmes com frequência, provavelmente já esbarrou em algum thriller sobre pessoas comuns jogadas em situações limites graças a uma série de mal entendidos. Meu primeiro contato com essa espécie de sub-gênero cinematográfico, que caminha de mãos dadas com a comédia de erros, foi no maravilhoso Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese, que apresenta Griffin Dunne como um rapaz que tem a pior noite de sua vida após concordar em visitar uma garota que conheceu no Soho.

Variações do estilo podem ser encontradas em obras como Tucker e Dale Contra o Mal (2010), sobre dois caipiras adoráveis que tentam socorrer uma adolescente mas são confundidos com assassinos; e 68 Kill (2017), sobre um rapaz que tem uma noite infernal após um furto sair muito errado. Emergência, lançado recentemente no catálogo do Amazon Prime Video, carrega parte do DNA dessas obras, ainda que o resultado geral passe longe de ser tão memorável.


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Adaptado do bom curta-metragem de Sundance de 2018 pela roteirista K.D. Dávila (série Salvation) e pelo diretor Carey Williams (R#J), o filme segue dois estudantes à beira da formatura no fictício Buchanan College, em uma cidade não especificada nos Estados Unidos. Kunle (Donald Elise Watkins, de Caixa Preta) estuda biologia e considera um PhD em Princeton. Sean (RJ Cyler, de Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer) não tem rumo e enxerga o futuro com menos otimismo, mas sua agenda de festas costuma ser lotada.

Madison Thompson, Sabrina Carpenter e Diego Abraham como Alice, Maddie e Rafael no filme 'Emergência', de Carey Williams
Madison Thompson, Sabrina Carpenter e Diego Abraham como Alice, Maddie e Rafael no filme 'Emergência', de Carey Williams | © Amazon Studios


Embora opostos em personalidade, eles são melhores amigos. Ficamos sabendo bem cedo que querem se tornar os primeiros estudantes negros a completar uma "turnê lendária" de festas exclusivas de fraternidades. Os planos da dupla, porém, descarrilham quando voltam para a casa que dividem com o amigo latino Carlos (Sebastian Chacon, de O Quebra-Cabeça) e encontram uma adolescente branca (Maddie Nichols, de Um Assassinato para Recordar), desmaiada em sua sala de estar.


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Ninguém sabe quem ela é ou como chegou lá. Não sabem se está bêbada ou sob efeito de drogas. Kunle quer chamar as autoridades para dar à moça o atendimento médico que ela precisa. Sean discorda, pois acredita haver uma boa chance de que os paramédicos e a polícia interpretem mal dois negros e um latino com uma loira inconsciente em sua sala de estar. Ao concordar em colocá-la em um carro e deixá-la no hospital mais próximo, os jovens acionam as engrenagens do mecanismo que fará com que uma situação ruim se reveze constantemente para pior.

RJ Cyler, Sebastian Chacon e Donald Elise Watkins como Sean, Kunle e Carlos no filme 'Emergência', de Carey Williams
RJ Cyler, Sebastian Chacon e Donald Elise Watkins como Sean, Kunle e Carlos no filme 'Emergência', de Carey Williams | © Amazon Studios


Emergência começa com gostinho de crossover atualizado e menos divertido de Superbad: É Hoje, sobre dois jovens obrigados a lidar com a ansiedade depois que uma festa não sai como planejaram, com Projeto X - Uma Festa Fora de Controle, sobre os apuros de dois amigos que tentam organizar a maior festa do mundo. Em poucos minutos, o roteiro acena para o thriller socialmente consciente, na linha de Corra! Depois ele abraça e não larga mais, e a diferença de personalidades dos amigos gera o combustível para a maioria das discussões.

Sabrina Carpenter (Crush à Altura) surge como Maddie, a irmã da moça desaparecida, que se une à amiga Alice (Madison Thompson, da série Ozark) e seu candidato a namorado Rafael (Diego Abraham, da série The Walking Dead: Um Novo Universo) para tentar descobrir seu paradeiro. Uma cena tensa marca o último ato, que também se revela o melhor momento do filme. Eu realmente gostei da maneira como Watkins transmite a devastação emocional de seu personagem. E o jovem ator volta a impressionar no final, primeiro com um diálogo intenso e depois com um olhar que diz mais que palavras.

A atriz Sabrina Carpenter como Maddie no filme 'Emergência', de Carey Williams | © Amazon Studios


É uma pena que a viagem até o último ato seja marcada por uma série de tropeços. E por tropeços, quero dizer situações forçadas, erros de comunicação, coincidências de tempo e muitas decisões sem sentido. A sensação que tive foi que o final e a mensagem que ele transmite (o filme toma um rumo diferente do curta-metragem) foram idealizados primeiro, a roteirista viu na comédia de erros uma forma de chegar até lá, mas o diretor não encontrou o tom correto para contar a história, provavelmente por julgar que os temas discutidos eram sérios demais para serem abordados de forma descontraída.

O problema é que estacionar o filme em um terreno mais próximo do drama presente no curta-metragem só funcionaria se o roteiro fosse bem amarrado. Como não é, mesmo considerando que a idéia era mostrar como o medo leva pessoas a tomar decisões duvidosas, a forçação de barra fica evidente. Para piorar, o diretor abre mão de uma edição mais apertada e estende demais os diálogos e discussões que reforçam a maneira conflitante como Kunle e Sean enxergam o mundo, o que acaba destruindo a ideia de urgência e deixa o filme cansativo.

Sebastian Chacon, RJ Cyler e Donald Elise Watkins como Carlos, Sean e Kunle no filme 'Emergência', de Carey Williams | © Amazon Studios


A jornada infernal de Paul Hackett em Depois de Horas e a de Chip Taylor em 69 Kill também são repletas de situações improváveis. No caso de Tucker e Dale Contra o Mal, as situações são simplesmente absurdas. Mas esses filmes funcionavam muito bem, pois além de contarem com personagens cativantes e um ritmo agradável, seus diretores entenderam que o humor, mesmo que seja humor-negro, beirando o breu total, tem forte poder sobre nossa suspensão de descrença.

Não é coincidência que as raras cenas entre Carlos e a estudante bêbada interpretada por Carpenter se destacam, pois além de impulsionar a história mais do que os conflitos dos próprios protagonistas, elas são recheadas do humor sombrio que o resto do filme não tem.

Nota: 4/10

Título Original: Emergency.
Gênero: Drama, comédia, suspense.
Produção: 2022.
Lançamento: 2022.
País: Estados Unidos da América.
Duração: 1 h 45 min.
Roteiro: K.D. Dávila.
Direção: Carey Williams.
Elenco: Donald Elise Watkins, RJ Cyler, Sebastian Chacon, Sabrina Carpenter, Maddie Nichols, Madison Thompson, Diego Abraham, Summer Madison, Gillian Rabin, Patrick Lamont Jr., Robert Hamilton, Mike Forbs, Adrian Lockett, Melanie Jeffcoat.

Ed Walter

Criador da 'Sangue Tipo B' e escritor na comunidade de filmes de terror desde 2017. Apaixonado por filmes de terror dos anos 70 e 80. Joga 'Skyrim' até hoje.

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