Crítica | Saint Clare (2024)

Fé, assassinatos e confusão: Bella Thorne como justiceira divina em um thriller tímido e confuso


A atriz Bella Thorne como Clare no filme 'Saint Clare'.
A atriz Bella Thorne como Clare no filme 'Saint Clare'. Foto: © Quiver Distribution



Embora se saia melhor no papel da garota que tenta sobreviver a assassinos mascarados (Pânico: A Série de TV) ou a entidades sobrenaturais inquietas (Amityville: O Despertar), a atriz Bella Thorne também tem se dedicado a papéis em que, em vez de ser a caça, se torna a caçadora. Foi uma cheerleader psicótica em A Babá e uma namorada vingativa em Fica Comigo. Interpretou até uma aspirante a justiceira no recente A Vingadora.

A atriz trilha um caminho semelhante em seu novo trabalho, Saint Clare, onde interpreta uma estudante católica que, nas horas vagas, assume o papel de... bem, de uma assassina a serviço de Deus. Adaptado do livro Clare at Sixteen, de Don Roff, o filme de Mitzi Peirone é um thriller psicológico que mistura sátira pop e um toque de surrealismo religioso, mas afunda em ambição desordenada. Um daqueles filmes que começam cheios de personalidade e promessas, mas tropeçam antes da linha de chegada.

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Thorne interpreta Clare Bleecker, uma jovem que acabou de se mudar para uma cidadezinha onde mulheres desaparecem todos os dias e ninguém liga, e onde todos os homens parecem suspeitos. Menos aquele professor extravagante que, na teoria, apenas na teoria, deveria servir como alívio cômico. À primeira vista, Clare é só mais uma garota recatada da universidade. Mas bastam alguns minutos para perceber que ela é mais do que aparenta.

A atriz Bella Thorne como Clare no filme 'Saint Clare'.
Clare (Bella Thorne) acredita ser uma justiceira divina no filme 'Saint Clare'. Foto: © Quiver Distribution



Guiada por uma fé obsessiva (ou possivelmente por um transtorno dissociativo, ou pelas duas coisas ao mesmo tempo), ela acredita estar cumprindo uma missão divina: eliminar estupradores, assassinos e predadores que escaparam da justiça. Acompanhamos Clare lidando com um deles logo no início. E, se o filme continuasse nessa pegada de Dexter encontra Doce Vingança 3, acredito até que poderia ser divertido.

Mas Saint Clare não se contenta em ser apenas um thriller de vingança feminina com reviravolta religiosa. Ele quer falar sobre trauma, sobre corrupção, sobre como as instituições falham, e sobre como o próprio conceito de justiça pode ser distorcido. No meio de tanta ambição, nem é preciso dizer que o roteiro se embaralha.

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Clare conversa com um carteiro morto (Frank Whaley), sua avó ex-atriz (Rebecca De Mornay) vive encenando dramas como se ainda estivesse nos palcos, e tudo parece flutuar entre sonho e realidade. Verdade seja dita: nada disso é muito empolgante, e a situação piora quando o filme tenta ser um drama teen. Ainda assim, a primeira metade de Saint Clare tem um charme estranho, meio lisérgico, que se mantém até o momento em que o foco se volta para uma investigação policial envolvendo tráfico de mulheres.

O ator Ryan Phillippe no filme 'Saint Clare'
Ryan Phillippe é um policial desconfiado e um pouco suspeito em 'Saint Clare'. Foto: © Quiver Distribution



A partir daí, Saint Clare se torna um filme morno e genérico. Nem tanto pela mudança de direção, mas porque a diretora parece não saber como lidar com os elementos sombrios de forma convincente. As tentativas de criar terror psicológico falham espetacularmente. As cenas de confronto parecem saídas de uma peça de teatro mal ensaiada, e os momentos de violência simplesmente não funcionam.

Mitzi Peirone tenta compensar a falta de substância com uma dose generosa de estilo: estética noir sulista, iluminação saturada, sombras moldando a psicose da protagonista. Quando Clare entra em estados dissociativos, o filme se transforma — sobreposições, montagens frenéticas, som estridente e psicodelia visual tentam ilustrar seu colapso interno. É como uma versão acelerada do trabalho de Peirone em seu longa de estreia, o confuso, mas curioso, Um Jogo Perverso (2019). Só que tudo o que funcionava naquele filme aqui parece uma bagunça.

Bella Thorne consegue equilibrar momentos de fragilidade com explosões de violência contida. É uma performance surpreendentemente controlada, considerando o caos ao redor. De Mornay, como a avó dramática, tenta trazer calor e humanidade, mas suas cenas parecem forçadas. Já Ryan Phillippe surge mais como figurante de luxo — sem muito o que fazer além de parecer desconfiado.

A atriz Bella Thorne como Clare no filme 'Saint Clare'
Clare (Bella Thorne) no filme 'Saint Clare'. Foto: © Quiver Distribution



Saint Clare é o tipo de filme que parece mais interessante no papel do que na prática. Tem uma protagonista intrigante, uma premissa ousada e até momentos de inspiração visual, mas tudo isso se perde em um roteiro vacilante, que não sabe bem o que quer dizer nem como chegar lá. Mitzi Peirone tenta equilibrar sátira, thriller psicológico e crítica social, mas escorrega ao não aprofundar nenhum desses elementos.

Fica a sensação de que havia um ótimo curta-metragem aqui, esticado além do ponto. Ainda assim, para quem gosta de thrillers religiosos com uma pitada de delírio pop, talvez valha a espiada. Nem que seja só pela performance de Bella Thorne, que parece estar em um filme melhor do que o que está ao seu redor.

Nota: 4/10

Título Original: Saint Clare.
Título Nacional: Saint Clare.
Gênero: Mistério, suspense, terror.
Produção: 2024.
Lançamento: 2025.
País: Estados Unidos da América.
Duração: 1 h 32 min.
Roteiro: Mitzi Peirone, Guinevere Turner
Direção: Mitzi Peirone.
Elenco: Bella Thorne, Ryan Phillippe, Rebecca De Mornay, Frank Whaley, Bart Johnson, Erica Dasher, Jan Luis Castellanos, Joy Rovaris, Angel Rivera, Joel Michaely, Myrom Kingery, Dylan Flashner, Tenley Stitzer, Juliet Sterner, Erin Eva Butcher, Jordan Myers, Clyde Tyrone Harper, Lisa Marie Blake, Rick Toscano, Tai Rosenblatt, Elizabeth Gammons.


Ed Walter

Criador da 'Sangue Tipo B' e escritor na comunidade de filmes de terror desde 2017. Apaixonado por filmes de terror dos anos 70 e 80. Joga 'Skyrim' até hoje.

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