Quando o amor gruda mais do que deveria
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Dave Franco e Alison Brie interpretam o casal Tim e Millie no filme 'Juntos'. Foto: © NEON |
Juntos é daqueles filmes que chegam cercados de curiosidade, tanto pelo inusitado da proposta quanto pelo nome dos protagonistas: Alison Brie e Dave Franco, casados na vida real. Eles já haviam trabalhado juntos em 2020, ele como diretor e ela como atriz, no slasher Vigiados, uma tentativa não muito feliz de trazer complexidade a um subgênero que não precisa — e nem deve — ser complexo. Os dois se saem muito melhor nessa nova jornada interpretando Millie e Tim, um jovem casal que está deixando a cidade para iniciar uma nova vida no campo.
Durante a festa de despedida, já é possível notar que o relacionamento do casal apresenta rachaduras que nem suas roupas fofas, coincidentemente combinando, conseguem esconder. As tensões aumentam após chegarem ao novo lar, primeiro devido à descoberta de alguns animais mortos em lugares de difícil acesso da casa e depois pela presença de um vizinho suspeitosamente prestativo, o também professor Jamie (Damon Herriman, de Apenas Corra), cuja amizade com Millie desperta fagulhas de ciúmes em Tim.
Um incidente durante o que deveria ser um simples passeio numa floresta próxima serve como sinal verde para que Juntos descambe para um território de horror corporal que flerta diretamente com a obra de Cronenberg. É justamente nesse ponto que o longa conquista parte do público e causa estranhamento em outra parte, já que a mistura de romance em frangalhos com grotesco físico não é para todos os gostos.
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Millie e Tim não conseguem ficar separados (literalmente) no filme 'Juntos'. Foto: © NEON |
O enredo se apoia na metáfora da codependência, mas a transforma em carne e osso de forma literal. O que começa como uma figura de linguagem sobre casais grudados demais evolui para uma situação em que seus corpos passam a se fundir, criando imagens perturbadoras e, ao mesmo tempo, carregadas de humor mórbido. É uma ideia ousada, e o diretor e roteirista estreante Michael Shanks parece fascinado com o potencial de levar às últimas consequências esse “até que a morte nos separe”.
Verdade seja dita, o cinema de terror já apresentou cenas de fusão corporal muito mais medonhas do que as que presenciamos em Juntos. Filmes como A Sociedade dos Amigos do Diabo, de Brian Yuzna, e o recente A Substância, de Coralie Fargeat, são apenas alguns exemplos. Mas o trabalho de Shanks ainda consegue ser suficientemente chocante e deixar sua marca, principalmente no público que não está tão familiarizado com as bizarrices do body horror.
Grande parte do impacto vem do trabalho técnico. Os efeitos práticos, aliados a retoques digitais, conseguem criar momentos de pura repulsa visual. A maquiagem, os prostéticos e a manipulação digital das feições geram desconforto, mas também despertam admiração pela execução. Shanks prova que tem talento para lidar com a linguagem do horror corporal, ainda que em alguns momentos pareça refém da metáfora em vez de servi-la com criatividade total.
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Alison Brie e Dave Franco como Millie e Tim no filme 'Juntos'. © NEON |
A química entre Brie e Franco funciona muito bem. A relação deles, que no início soa como um retrato de casamento desgastado e cheio de pequenas frustrações, ganha camadas justamente pela entrega dos atores. Não é que os personagens tenham grande profundidade ou sejam particularmente bem escritos, mas a conexão real entre os intérpretes cria uma verossimilhança que sustenta o absurdo da trama. Ver o casal rindo em um momento e, logo em seguida, se debatendo em desespero enquanto os corpos se colam dá ao filme um sabor agridoce difícil de reproduzir com outros nomes.
O roteiro, em alguns momentos, sofre de ambição maior do que a execução. A introdução de elementos paralelos, como uma seita enigmática e a origem da contaminação, soa mais como excesso do que como complemento. É como se o filme tentasse explicar aquilo que funcionaria melhor sendo apenas aceito, sem racionalização. A mistura de gêneros também gera tropeços: o humor às vezes quebra a tensão no pior momento, e o drama nem sempre encontra ressonância emocional suficiente para justificar o grotesco.
O público que se aproxima esperando um terror direto, cheio de suspense clássico, pode sair frustrado, pois Juntos aposta mais na repulsa e no estranhamento do que no medo tradicional. Já quem busca metáforas ousadas, sátira do amor romântico e uma experiência audiovisual incômoda pode encontrar aqui um prato cheio. Não é uma obra-prima do body horror, mas funciona como uma espécie de experimento pop, que tenta unir amor, comédia e grotesco em uma mistura difícil de digerir, mas certamente divertida.
Nota: 6,2/10
Título Original: Together.
Título Nacional: Juntos.
Gênero: Romance, terror.
Produção: 2025.
Lançamento: 2025.
País: Austrália, Estados Unidos da América.
Duração: 1 h 42 min.
Roteiro: Michael Shanks.
Direção: Michael Shanks.
Elenco: Dave Franco, Alison Brie, Damon Herriman, Mia Morrissey, Karl Richmond, Jack Kenny, Francesca Waters, Aljin Abella, Sarah Lang, Rob Brown, Ellora Iris, Charlie Lees, MJ Dorning, Tom Considine, Melanie Beddie, Flynn Wandin, Nancy Finn, Mark Robinson, Michael Shanks, Sunny S. Walia.
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É um filme que tenta equilibrar o body horror com drama, mas entrega um drama psicológico com elementos de horror e alegorias sociais. É aí que a coisa desanda, pois na grande maioria das vezes (e é o caso aqui) que se misturam gêneros narrativos o resultado não fica satisfatório. Nota: 4/10
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