Retro Review | O Vingador Tóxico (The Toxic Avenger, 1984)

Um faxineiro desajeitado transforma-se em um super-herói em 'O Vingador Tóxico', o delicioso clássico trash da Troma


Mitch Cohen e Andree Maranda como Melvin e Sara no filme 'O Vingador Tóxico'
Melvin encontra sua alma gêmea em 'O Vingador Tóxico'


Após visitar os bastidores de Rocky, Um Lutador (1976), o diretor Lloyd Kaufman teve a ideia de fazer um filme ambientado em uma academia. A história acabou ganhando elementos de terror e comédia. O resultado foi O Vingador Tóxico, um dos filmes mais emblemáticos da lendária Troma Entertainment, estúdio independente conhecido por sua devoção à exploração de baixo orçamento, ao humor politicamente incorreto e ao excesso como ferramenta narrativa.

Lançado em 1984, o filme conquistou o público com sua mistura tão anárquica quanto irresistível de violência cartunesca, humor grotesco e crítica social disfarçada de piada escrachada. Tornou-se um verdadeiro fenômeno cult, rendendo continuações, brinquedos e até um desenho animado. Este ano, um remake de O Vingador Tóxico está chegando aos cinemas, com Peter Dinklage no papel principal. Acho que esse é um bom momento para falar sobre o original, que não apenas sobrevive ao tempo, mas também se fortalece como um retrato do espírito independente dos anos 80.


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O Vingador Tóxico começa com uma narração que pode fazê-lo acreditar que está assistindo a uma variação da abertura do tokusatsu Spectreman. Mas essa sensação se desfaz menos de um minuto depois, quando somos apresentados aos sarados e agitados frequentadores da Tromaville Health Club, com seus shorts e collants coloridos, e poses exageradas que não deixam dúvida de que estamos diante de um produto genuinamente trash, do tipo que apenas os gloriosos anos 80 sabiam produzir.

Imagem do filme 'O Vingador Tóxico'
Todo mundo odeia o Melvin no filme 'O Vingador Tóxico'


É nessa academia que trabalha Melvin (Mark Torgl, de Infernal), um jovem faxineiro desajeitado que sofre bullying constante. E não apenas do estressado psicopata Bozo (Gary Schneider, de Jogos de Praia) e de seus amigos igualmente psicóticos que gostam de atropelar pessoas, mas de todos na academia. Isso fica claro na cena em que uma brincadeira de péssimo gosto termina muito mal e acaba derrubando o pobre Melvin em um barril de lixo tóxico. Transformado pela radiação, o faxineiro atrapalhado renasce como o Vingador Tóxico (Mitch Cohen, de O Balconista), uma criatura deformada, musculosa e com senso de justiça inabalável.

O arco de Melvin funciona como uma paródia distorcida do herói clássico: um deslocado social que encontra propósito apenas após virar uma aberração. Ele passa a ser o improvável herói da cidade, um monstro que literalmente começa a limpar Tromaville de gangues, criminosos e políticos corruptos — além de ajudar donas de casa a abrir potes de picles nas horas vagas. Nosso herói também acaba encontrando o amor após salvar uma jovem cega chamada Sara (Andree Maranda, de Two Top Bananas), que vive passando apuros com os criminosos que brotam em cada esquina da cidade.


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Sara com certeza foi minha personagem favorita. Sua atuação é espirituosa e ingênua, contribuindo para alguns dos momentos mais engraçados da obra. Mas a verdade é que todo o elenco de apoio mostra uma sintonia impressionante. Mesmo os atores que aparecem por poucos segundos parecem ter entendido perfeitamente o espírito da produção, entregando performances exageradas, caricaturais e hilárias, como se cada rosto fosse escolhido a dedo para compor a galeria de figuras curiosas de Tromaville.

Andree Maranda como Sara no filme 'O Vingador Tóxico'
Andree Maranda interpreta Sara, minha personagem favorita em 'O Vingador Tóxico'


Do outro lado da balança, os vilões do filme — que vão de um prefeito corrupto a um policial que se comunica com gestos muito suspeitos — são uma verdadeira caricatura do mal. Não há nuances, apenas exagero: eles são sádicos, cruéis e ridiculamente divertidos de assistir. A brutalidade dos antagonistas é levada a tal ponto que se torna cômica, criando um contraste perfeito com a figura deformada do herói. É esse excesso que mantém o filme pulsante, impedindo que qualquer cena caia no marasmo.

Um exemplo marcante do quanto os vilões se esforçam para ser maus está na famosa cena do assalto à lanchonete, que também sintetiza como o filme consegue transformar violência em espetáculo trash. Ali, o princípio da Arma de Chekhov é aplicado de maneira exemplar: o objeto aparentemente banal se revela decisivo na hora da ação, e o público, entre o riso e o choque, percebe que até nos detalhes a produção sabe construir momentos memoráveis.


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Os diretores Michael Herz e Lloyd Kaufman abraçam com entusiasmo a própria precariedade. As cenas de ação mal coreografadas, a maquiagem exagerada e os efeitos visuais artificiais não são fraquezas, mas parte da estética. Afinal, para que perder tempo com efeitos cuidadosamente elaborados se você pode simplesmente colocar uma peruca em um melão para criar a ilusão de uma cabeça sendo esmagada? Ou usar espaguete para simular algumas entranhas?

Bozo e sua turma no filme 'O Vingador Tóxico'
Os psicopatas estão em todos os cantos de Tromaville, e a turma liderada por Bozo é apenas um exemplo disso


O excesso de violência cartunesca aparece lado a lado com piadas absurdas e caricaturas sociais. Há um prazer anárquico em como o filme ri da própria brutalidade, mostrando repetidas vezes que não tem medo de ser chocante ou vulgar. Essa consciência de sua tosqueira cria um charme irresistível: em vez de tentar competir com grandes produções, o longa se afirma como o oposto, um cinema sujo, barato e debochado.

Além da estética trash, O Vingador Tóxico guarda um componente subversivo. Sob a superfície de sangue falso e piadas grosseiras, há uma crítica ácida à corrupção política, à violência urbana e ao consumismo desenfreado. Tromaville é um espelho deformado da América dos anos 80, onde apenas um monstro é capaz de impor alguma ordem. É nessa ironia que o filme se torna maior do que aparenta: ele não apenas diverte, mas também provoca.

O Vingador Tóxico é um daqueles filmes que só poderiam existir fora do sistema tradicional de Hollywood. Um delírio grotesco, barulhento e incrivelmente divertido, que transforma limitações técnicas em virtude e escândalo em entretenimento. É uma experiência que só a Troma poderia oferecer — e que ainda hoje garante gargalhadas, caretas e muita diversão.


Nota: 8/10


Título Original: The Toxic Avenger.

Título Nacional: O Vingador Tóxico.

Gênero: Comédia, terror.

Produção: 1984.

Lançamento: 1984.

País: Estados Unidos da América.

Duração: 1 h 22 min.

Roteiro: Joe Ritter, Lloyd Kaufman, Gay Partington Terry, Stuart Strutin.

Direção: Michael Herz, Lloyd Kaufman.

Elenco: Andree Maranda, Mitch Cohen, Jennifer Babtist, Cindy Manion, Robert Prichard, Gary Schneider, Pat Ryan, Mark Torgl, Dick Martinsen, Chris Liano, David Weiss, Dan Snow, Doug Isbecque, Charles Lee Jr., Patrick Kilpatrick, Larry Sulton, Michael Russo, Norma Pratt, Andrew Craig, Ryan Sexton, Sarabel Levinson.


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Ed Walter

Criador da 'Sangue Tipo B' e escritor na comunidade de filmes de terror desde 2017. Apaixonado por filmes de terror dos anos 70 e 80. Joga 'Skyrim' até hoje.

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