Nada é o que aparenta em 'Dublê de Corpo', suspense do diretor Brian De Palma estrelado por Craig Wasson, Melanie Griffith e Deborah Shelton
Craig Wasson e Deborah Shelton como Jake e Gloria no filme 'Dublê de Corpo', de Brian De Palma |
"Body double" é um termo utilizado na indústria cinematográfica para se referir a uma pessoa que substitui atores em cenas que não querem ou não podem filmar devido a condições perigosas, relutância em fazer cenas de nudez, etc. São utilizados especialmente em tomadas à distância ou cenas que não envolvem o rosto, como close-ups de uma parte do corpo. O termo também foi escolhido como título original de um dos filmes do diretor Brian De Palma — um suspense apimentado, divertido e surpreendente, que no Brasil ganhou o título de Dublê de Corpo.
A ideia para o filme surgiu após De Palma trabalhar com um dublê na cena do chuveiro de Angie Dickinson em Vestida para Matar (1980). Ele próprio escreveu a história que serviu como base para o roteiro escrito em parceria com Robert J. Avrech. Brian De Palma originalmente planejou que este fosse o primeiro filme de Hollywood a apresentar cenas de sexo não simuladas, mas a ideia foi reprovada pela Columbia Pictures, estúdio que produziu e distribuiu a obra.
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Homenagem direta aos filmes de Alfred Hitchcock, especificamente Janela Indiscreta (1954) e Um Corpo que Cai (1958), Dublê de Corpo é centrado em Jake Scully (Craig Wasson, de A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos), um ator de filmes B que é demitido do papel de vilão em uma produção de terror devido a uma fobia psicológica que o impede de ficar em locais muito fechados. A boa notícia é que agora Jake poderá passar mais tempo nos braços da fiel namorada Carol. A má notícia é que Carol não é tão fiel quanto parecia, algo que nosso herói azarado constata quando volta mais cedo para casa.
Craig Wasson e Gregg Henry como Jake e Sam no filme 'Dublê de Corpo', de Brian De Palma |
Desemprego, quebrado e sem um teto para curtir a sofrência (a casa era da Carol!) Jake aceita o convite de um amigo, Sam Bouchard, para se hospedar temporariamente em uma casa ultramoderna no topo das colinas em Hollywood Hills, Los Angeles, Califórnia. A título de curiosidade, a residência arquitetonicamente modernista mostrada no filme é real. Ela foi projetada em 1960 pelo arquiteto americano John Lautner, e já foi descrita como "a casa mais moderna construída no mundo".
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Antes de viajar deixando Jake sozinho na casa, Sam recomenda que ele fique atento a uma figura que descreve como "minha vizinha favorita": Gloria Revell, uma mulher que, toda noite, dança sensualmente em frente à janela de uma casa próxima. Revelar mais sobre Dublê de Corpo seria spoiler. O que posso dizer é que De Palma brinca o tempo todo com a idéia de que nada é o que aparenta. Começa na cena de abertura, que leva o espectador a acreditar que está diante de um filme de vampiros. Detalhes discretos, como o cenário falso do deserto, reforçam a ideia. O conceito atinge seu ponto máximo quando o diretor nos joga no que parece ser um videoclip adulto ao som de 'Relax', de Frankie Goes to Hollywood.
Deborah Shelton e Craig Wasson como Gloria e Jake no filme 'Dublê de Corpo', de Brian De Palma |
A cena do videoclip foi rodada no mesmo local que serviu como cenário para a cena da boate do clássico A Hora do Espanto (1985) que, curiosamente, também era sobre pessoas curiosas que arrumam confusão por passar tempo demais na janela, espionando a vida alheia. Esse é um dos grandes momentos de Dublê de Corpo, mas há outros ainda mais memoráveis, como a perseguição silenciosa no shopping, o primeiro contato entre Jake e a vizinha exibicionista, uma cena apimentada que ganha um inesperado sabor de melancolia graças a um flashback muito bem sacado e, é claro, todas a danças de Gloria.
O diretor alterna entre planos gerais nas cenas externas, quadros muito fechados que potencializam o suspense nos ambientes fechados, e efeitos de zoom que tentam simular a claustrofobia de Jake. O filme assume um tom quase onírico na cena do túnel, onde o cenário parece girar ao redor dos personagens. No momento mais tenso de Dublê de Corpo, uma broca é utilizada para compor uma piada visual que rende discussões até hoje. Tudo isso é valorizado pela maravilhosa trilha sonora de Pino Donaggio, que garante que até mesmo as situações mais simples tenham um ar de encanto.
O ator Craig Wasson como Jake no filme 'Dublê de Corpo', de Brian De Palma |
Jake, interpretado com competência por Wasson, passa longe de apresentar as qualidades que se esperaria de um protagonista de um filme mainstream. Na verdade, ele tem tantos problemas que um dos personagens chega a lembrá-lo que seu comportamento alarmante pode ter contribuído para a consumação de uma tragédia. Parte da graça de Dublê de Corpo está justamente em acompanhar Jake tentando conviver com o sentimento de culpa, e sua tentativa de resolver um mistério que, talvez, lhe traga redenção.
Melanie Griffith está para lá de divertida como Holly Body, uma atriz de filmes adultos que acaba se tornando a peça-chave para solucionar o quebra-cabeça do filme. Seu visual, incluindo o cabelo loiro curto, é inspirado na estrela de filmes adultos Seka. A atuação de Griffith rendeu uma indicação ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, e contribuiu para ela conseguir os papéis principais em Totalmente Selvagem (1986) e Uma Secretária de Futuro (1988).
Craig Wasson e Melanie Griffith como Jake e Holly Body no filme 'Dublê de Corpo', de Brian De Palma |
Curiosamente, a ideia original de Brian De Palma, também descartada pelo estúdio, era que Holly Body fosse interpretada por Annette Haven, uma atriz de filmes adultos na vida real. Tatum O'Neal (Queridinhas), Jamie Lee Curtis (Halloween) e Carrie Fisher (Star Wars) também fizeram o teste para o papel de Holly, mas recusaram. Brooke Shields (O Último Trem) recebeu o papel, mas recusou para estudar literatura francesa em Princeton. Linda Hamilton também recusou, para se preparar para o papel da icônica Sarah Connor em O Exterminador do Futuro (1984).
Gregg Henry (Seres Rastejantes) está muito à vontade como o amigo Sam, que tem mais importância no filme do que seu limitado tempo na tela indica. A modelo Deborah Shelton (Segredos da Noite), Miss Estados Unidos em 1970, está deslumbrante como a vizinha Gloria Revell, mas é preciso dividir os créditos, pois Shelton foi dublada pela atriz Helen Shaver. Por último, não podemos deixar de citar a presença de nossa screen queen favorita: Barbara Crampton, a estrela de Do Além (1986) e Re-Animator - A Hora dos Mortos-Vivos (1985), que faz uma participação rápida como a namorada infiel, Carol. Esse foi o primeiro papel de Crampton no cinema, o que torna Dublê de Corpo ainda mais especial.
A atriz Deborah Shelton como Gloria no filme 'Dublê de Corpo', de Brian De Palma |
Embora De Palma e seu co-roteirista recorram a algumas facilitações no último ato, eles entregam uma história bem fechada, com direito a cena final divertida que se mescla com os créditos de encerramento. Mas como muitos filmes da seção Retro Review, Dublê de Corpo não agradou público e crítica na época de seu lançamento. Brian De Palma inclusive foi indicado ao Framboesa de Ouro em 1984, como pior diretor, mas perdeu para John Derek por Bolero: Uma Aventura em Êxtase (1984). O tempo fez justiça a Dublê de Corpo, que hoje é um dos filmes mais cultuados do diretor. Para mim, é o seu melhor trabalho.
Nota: 10/10
Título original: Body Double.
Gênero: Suspense, mistério, crime.
Produção: 1984.
Lançamento: 1985.
País: Estados Unidos.
Duração: 114 minutos.
História: Brian De Palma.
Roteiro: Robert J. Avrech, Brian De Palma.
Direção: Brian De Palma.
Elenco: Craig Wasson, Melanie Griffith, Gregg Henry, Deborah Shelton, Guy Boyd, Dennis Franz, David Haskell, Rebecca Stanley, Al Israel, Douglas Warhit, B.J. Jones, Russ Marin, Lane Davies, Barbara Crampton.
Dublê de Corpo é perfeito, apaixonante e simplesmente inesquecível! Elenco maravilhoso!
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