Horror, poeira e pecado nas entranhas do interior americano
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Pumpkinhead: seu nome pode ser engraçado, mas seu visual provoca pesadelos. Foto: © 1988 Twentieth Century Fox |
Stan Winston foi um dos mais lendários criadores de efeitos especiais do cinema. Colaborador frequente de Tim Burton, James Cameron e Steven Spielberg, dedicou seus talentos únicos aos três primeiros Jurassic Park, Aliens, O Enigma de Outro Mundo, Edward Mãos de Tesoura, Deu a Louca nos Monstros e O Predador. Isso apenas para citar alguns filmes.
O que alguns fãs de terror talvez não saibam é que esse mestre da maquiagem, fantoches e efeitos práticos também se arriscou na cadeira de diretor. E se saiu muito bem em sua estreia com A Vingança do Diabo, uma fábula gótica ambientada em terras poeirentas, onde o pecado se paga com sangue e o luto pode dar forma a monstros.
O filme se encaixa perfeitamente em uma maratona de obras que exploram o horror rural, as lendas locais e os castigos sobrenaturais com peso emocional. Com atmosfera sufocante, uma criatura de design memorável e uma ambientação carregada de simbolismo, A Vingança do Diabo sobrevive ao teste do tempo como uma pérola do terror dos anos 80, menos lembrada do que deveria, mas admirada por quem reconhece sua ambição estética e moral.
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Jovens procuram abrigo em uma cabana na floresta em 'A Vingança do Diabo'. Foto: © 1988 Twentieth Century Fox |
Inspirado em um poema escrito por Ed Justin (que pode ser ouvido na cena em que Blunt e Hessie assustam o irmãozinho), o filme conta a história de Ed Harley (Lance Henriksen, em um de seus melhores papéis), um homem simples que vive com seu filho pequeno, Billy, em uma loja isolada nas montanhas do sul dos EUA. A ligação entre pai e filho é imediata, terna e tocante. E isso torna ainda mais brutal o momento em que Billy é acidentalmente morto por um grupo de adolescentes da cidade que passeia de moto pelas redondezas.
Consumido pelo desespero e incapaz de aceitar a perda, Ed Harley procura uma figura mística do folclore local: a anciã Haggis, que vive nas profundezas do pântano e, dizem, possui poderes além da compreensão humana. Em troca de um preço terrível, ela invoca a criatura conhecida como Pumpkinhead (Cabeça de Abóbora), um demônio vingador que caçará um a um os jovens responsáveis pela tragédia.
A Vingança do Diabo impressiona visualmente. As paisagens não são meramente rurais, são arcaicas, como se o tempo tivesse parado numa versão mal-assombrada do interior americano. Há lama seca nos sapatos, cercas quebradas, barracões precários, uma floresta que parece guardiã de segredos antigos, e um brejo ancestral onde o sobrenatural pulsa, enterrado logo abaixo da superfície.
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Lance Henriksen interpreta o inconformado Ed Harley em 'A Vingança do Diabo'. Foto: © 1988 Twentieth Century Fox |
A casa de Haggis, por exemplo, é uma obra de arte do gótico sulista: madeira apodrecida, galhos tortos, uma iluminação que parece vir de uma fogueira invisível. Já o cemitério de onde Pumpkinhead é desenterrado — uma clareira árida cercada de abóboras mortas e nevoeiro — parece saído de um pesadelo bíblico, onde as leis da natureza foram suspensas.
Winston e sua equipe trabalham com tons terrosos, cenas noturnas repletas de sombras fortes e fumaça difusa, para construir uma estética que remete ao cinema de Mario Bava. Cada plano reforça a ideia de que o horror não vem de fora, mas da própria terra, um lugar contaminado por antigas mágoas e pactos esquecidos.
É natural que um mestre dos efeitos estreasse na direção com uma criatura que parece ter sido moldada a dedo. Pumpkinhead é uma figura alta, esquelética, de aparência demoníaca e olhos fundos. Lembra um híbrido entre um feto monstruoso e um esqueleto alienígena com ossos salientes. É, ao mesmo tempo, estranho, elegante e absolutamente aterrador. E fica ainda mais conforme seu rosto começa a sofrer uma transformação bizarra.
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Tracy (Cynthia Bain) é um dos alvos da criatura sobrenatural de 'A Vingança do Diabo'. Foto: © 1988 Twentieth Century Fox |
Diferentemente de muitos filmes da época, o monstro é raramente mostrado em excesso. Winston sabe exatamente quando revelar e quando esconder. A presença de Pumpkinhead é amplificada por sua movimentação silenciosa e pela maneira como interage com o cenário, surgindo das sombras, cruzando o campo de visão como uma sentença inevitável. Sua simples silhueta já transmite o peso da maldição.
Como todo grande monstro do cinema, sua força simbólica é clara: ele não é apenas uma ferramenta de morte, mas a própria manifestação da culpa, da dor e da fúria de Ed Harley. À medida que a matança começa e Ed passa a sentir o peso real do que libertou, ele entende que a vingança cobra não só dos culpados, mas também do coração que a deseja. O vínculo entre homem e criatura se aprofunda, levando a um clímax tão trágico quanto assustador.
Lance Henriksen conduz o filme com intensidade emocional admirável. Seu Ed Harley não é um herói de horror típico, mas um homem ferido, frágil, devastado, alguém que toma uma decisão errada movido pelo desespero e paga por isso de forma irreversível. A atuação é contida, mas cheia de peso, e confere humanidade ao filme mesmo nos momentos mais sobrenaturais. O elenco jovem cumpre bem seu papel dentro da fórmula slasher, com figuras mais e menos simpáticas, mas jamais caricatas. A bruxa Haggis, interpretada por Florence Schauffler, é um espetáculo à parte, com seu rosto enrugado e voz sibilante.
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O vingativo Pumpkinhead encontra uma vítima em 'A Vingança do Diabo'. Foto: © 1988 Twentieth Century Fox |
O ritmo é deliberado, especialmente no primeiro ato. A introdução cuidadosa da relação entre pai e filho, e o tempo dedicado à ambientação, são fundamentais para que o peso da vingança seja sentido mais tarde. Quando o horror começa, Winston demonstra certo despreparo para manter a tensão, mas nada que comprometa seriamente a experiência, já que o terror aqui é mais sobre consequência do que espetáculo.
A Vingança do Diabo é um conto moral disfarçado de filme de monstro. Em vez de seguir a cartilha típica dos slashers dos anos 80, Stan Winston entrega um horror quase mítico, onde as emoções humanas mais primitivas — dor, vingança, culpa — ganham forma física. Com ambientação impecável, uma criatura inesquecível e uma direção surpreendentemente madura para um estreante, o filme se destaca como um dos exemplares mais elegantes e trágicos do horror rural americano.
Se Tobe Hooper mostrou em O Massacre da Serra Elétrica o lado mais cru e desgovernado do interior, o filme de Winston é seu primo melancólico e sobrenatural, onde cada árvore parece carregar uma história, e cada ato de vingança abre uma nova ferida no solo ancestral. Um clássico injustamente esquecido, que merece ser revisto com olhos atentos e ouvidos abertos para os sussurros do pântano.
Nota: 7/10
Título Original: Pumpkinhead.
Título Nacional: A Vingança do Diabo.
Gênero: Terror.
Produção: 1988.
Lançamento: 1989.
País: Estados Unidos da América.
Duração: 1 h 26 min.
História: Mark Patrick Carducci, Stan Winston, Richard Weinman.
Roteiro: Mark Patrick Carducci, Gary Gerani.
Direção: Stan Winston.
Elenco: Lance Henriksen, Jeff East, John D'Aquino, Kimberly Ross, Joel Hoffman, Cynthia Bain, Kerry Remsen, Florence Schauffler, Brian Bremer, George 'Buck' Flower, Matthew Hurley, Lee de Broux, Peggy Walton-Walker, Chance Michael Corbitt, Dick Warlock, Devon Odessa.
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