Há muitas formas de estragar um filme de terror, mas poucas são tão criativas quanto o trabalho dos departamentos de marketing mundo afora. Cada país parece acreditar que o público local precisa de uma tradução cultural para entender o horror… e, no processo, acabam criando verdadeiras obras-primas do absurdo.
De Drácula perseguindo garotas de shortinho a Carrie sendo apresentada como a filha caçula do demônio, os títulos internacionais de filmes de terror formam um gênero próprio: o terror involuntariamente cômico. A seguir, uma seleção de casos em que o pavor original se perdeu (ou ganhou um charme todo especial) na hora de atravessar fronteiras.
Scream (EUA, 1996)
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No slasher de Wes Craven é assim: ou você grita, ou você foge |
O que é?
Um meta-slasher dirigido por Wes Craven. Um assassino mascarado obcecado por filmes de terror atormenta adolescentes com ligações inconvenientes, forçando-os a enfrentar as próprias regras do gênero. Depois, os presenteia com facadas.
Tradução literal: Grito.
Títulos alternativos:
No Brasil, Scream virou Pânico, um título simples e poderoso, que acabou se tornando sinônimo de slasher moderno. O único inconveniente é que, até hoje, muita gente ainda acredita que “Pânico” é o nome do assassino.
O tradutor argentino foi mais didático e optou por um título que também serve como aviso: Scream. Vigila quién llama, ou Scream. Fique de olho em quem está ligando.
O título canadense, Frissons (Calafrios), soa mais elegante do que assustador — parece mais o nome de uma colônia de férias do que de um massacre adolescente. Já La máscara de la muerte (A Máscara da Morte), do Equador, poderia facilmente ser confundido com uma aventura gótica estrelada pelo Zorro.
Na Romênia, o título vem com instruções de uso: Scream: Țipi sau fugi!, ou Scream: Grite ou fuja!. Já no México, o título Grita antes de morir (Grite antes de morrer), deixa claro que fugir não é uma opção.
A conclusão é inevitável: o assassino pode mudar, mas as traduções continuam cortando mais fundo que a própria faca.
Dracula A.D. 1972 (Reino Unido, 1972)
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Drácula, deixe as garotas de minissaia em paz! |
O que é?
Um filme de vampiros da Hammer, estrelado pelo grande Christopher Lee. O Conde Drácula é ressuscitado em plena década de 1970, um tempo de discotecas, calças boca de sino e moral frouxa. Ele tenta espalhar o terror entre jovens descolados de Londres, mas o resultado parece mais uma festa psicodélica com dentes postiços.
Tradução literal: Drácula, ano do Senhor de 1972.
Títulos alternativos:
No Brasil, Dracula A.D. 1972 virou Drácula no Mundo da Minissaia, porque nada representa o mal eterno como... minissaias.
Os tradutores da Alemanha optaram por uma versão ainda mais literal, mas com igual ênfase no guarda-roupa: Dracula jagt Mini-Mädchen, ou Drácula persegue garotas de minissaia.
Enquanto isso, a Dinamarca se apressou em trocar as saias pelos shorts — afinal, a moda não espera nem o Príncipe das Trevas. O resultado: Vampyren jager hotpants, ou O vampiro persegue garotas de shortinho.
A essa altura, Drácula não precisa mais de um caixão, precisa é de um figurino da Carnaby Street e de uma boa aula de etiqueta para acompanhar tanta juventude perdida. Esse filme virou um desfile de moda sangrento, com o conde mais interessado em perseguir tendências do que virgens.
Rabid (Canadá, 1977)
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Em 'Rabid', a fúria do sexo deixa Rose enraivecida. Espera... o quê?!? |
O que é?
Um body horror dirigido por David Cronenberg. Após um acidente de moto e uma cirurgia experimental, uma mulher desenvolve um apetite peculiar: em vez de comida, deseja sangue humano. O vírus que ela carrega se espalha rapidamente, transformando a cidade em um pandemônio de zumbis raivosos.
Tradução literal: Raivosa.
Títulos alternativos:
No Brasil, Rabid virou Enraivecida na Fúria do Sexo, um título tão esdrúxulo que parece ter sido criado em um brainstorm entre um tradutor e um dono de locadora nos anos 80. Na Argentina, Fobia, la ciudad bajo el terror (Fobia, a cidade sob o terror) faz o filme soar mais como um drama urbano sobre crise existencial e pneumonia coletiva.
Em Portugal, o filme foi rebatizado como Coma Profundo, outro título sem relação alguma com a história. Talvez alguém tenha dormido na sessão errada.
Já na Alemanha, o caos é completo: Bete, dass es nicht Dir passiert (Reze para que isso não aconteça com você) e Überfall der teuflischen Bestien (Ataque das bestas diabólicas). Ou seja: os alemães não sabiam exatamente o que estavam assistindo, mas tinham certeza de que era grave.
The Thing (EUA, 1982)
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Esconda-se, MacReady, porque há uma mutação do tipo 3 na sua cola |
O que é?
Um terror sci-fi pegajoso dirigido por John Carpenter. Uma equipe de cientistas isolada na Antártida descobre uma criatura alienígena capaz de imitar qualquer forma de vida. O resultado? Paranoia, desconfiança e um clássico absoluto do horror cósmico.
Tradução literal: A Coisa.
Títulos alternativos:
No Brasil, The Thing é conhecido como O Enigma de Outro Mundo, um título poético e misterioso, um dos raros acertos. Já os tradutores canadenses dispensaram a sutileza e optaram por L’effroyable chose, ou A Coisa Terrível.
Na Estônia, o filme virou Võõrkeha (Corpo Estranho), título que parece saído de um episódio de Arquivo X. Em Taiwan, recebeu o nome Mutação Tipo III, embora ninguém tenha identificado no filme as mutações Tipo I e II.
No Vietnã, The Thing foi batizado de Quái Vật Biến Hình (O Monstro Transformador), o que soa mais como o vilão de um episódio de Power Rangers do que uma obra-prima de Carpenter. Conclusão: no mundo todo, ninguém sabe exatamente o que é “A Coisa” e, pelos títulos, continuam sem saber.
Carrie (EUA, 1976)
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Quer dizer então que além de estranha, Carrie é diabólica e filha do demônio? |
O que é?
Um filme de terror paranormal dirigido por Brian De Palma. Uma jovem tímida e atormentada descobre que tem poderes telecinéticos. Ela decide usá-los para vingar-se de todos que a humilharam, especialmente durante o baile de formatura.
Tradução literal: Carrie, o nome da protagonista.
Títulos alternativos:
No Brasil, o filme virou Carrie, a Estranha, título clássico, direto e eficaz. Na Argentina, virou Carrie. Extraño presentimiento (Carrie. Sensação estranha), que parece apontar para um filme sobre crise de ansiedade do que um massacre sobrenatural.
Os tradutores franceses resolveram dar destaque ao baile de formatura, o momento mais icônico do filme. O resultado: Carrie au bal du diable, ou Carrie no baile do diabo. Na Grécia, o filme virou Carrie, explosão de raiva, um título honesto, pois é exatamente o que acontece.
Het meisje met de duivelse kracht (A garota com o poder diabólico), título que o filme ganhou na Holanda, soa como um spin-off de Matilda. Na Alemanha, resolveram ampliar o drama familiar, batizando o filme de Carrie: Des Satans jüngste Tochter, ou Carrie: A filha mais nova de Satanás.
O parentesco com as trevas também é sugerido no título italiano, que vai um pouco mais longe e destaca semelhanças físicas entre Carrie e seu suposto pai. O resultado: Carrie - Lo sguardo di Satana, ou Carrie - O olhar de Satanás.
I Know What You Did Last Summer (EUA, 1997)
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Julie, o que diabos você e seus amigos aprontaram no verão passado? |
O que é:
Um slasher adolescente na linha de Pânico. Quatro jovens amigos se envolvem em um trágico acidente e fazem um pacto de silêncio. Um ano depois, passam a ser perseguidos por um assassino com roupa de pescador empunhando um gancho.
Tradução literal: Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado.
Títulos alternativos:
O Brasil manteve a tradução literal, criando um dos títulos mais longos (e memoráveis) do terror nacional. Já na Estônia, o nome foi encurtado para Eelmise suve saladus, que significa O Segredo do Verão Passado, mais direto e até poético.
Os franceses, sempre inclinados ao drama, optaram por Souviens-toi... l'été dernier, ou Lembre-se... do Verão Passado. A frase soa mais como conselho de terapeuta do que aviso de assassinato.
Os tradutores de Hong Kong, provavelmente já exasperados com tanto mistério, deram ao filme o título de 舊年暑假搞乜鬼, algo como O que diabos aconteceu nas últimas férias de verão?. Em Taiwan, o nome ficou 是誰搞的鬼, ou Quem fez isso?, o que parece o comentário de qualquer um assistindo ao final tosco do remake de 2025.
Na Noruega, o título virou Fryktens sommer (O Verão do Medo), que soa como um romance escandinavo sobre ansiedade sazonal. Já na Polônia, os tradutores apostaram em Koszmar minionego lata (O Pesadelo do Verão Passado), e eu não consegui parar de rir imaginando Freddy Krueger aparecendo do nada, exibindo um bronzeado novo.
Tremors (EUA, 1990)
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Cuidado, rapazes, porque a terra tem mandíbulas. E dragões. |
O que é:
Um filme de monstros com toques de aventura e humor negro. Os moradores de uma pequena cidade isolada precisam se defender de criaturas subterrâneas que caçam através das vibrações do solo.
Tradução literal: Tremores.
Títulos alternativos:
Os tradutores brasileiros dispensaram a sutileza e transformaram Tremors em O Ataque dos Vermes Malditos, um título que grita “sessão da tarde com trauma”.
Na Dinamarca, o nome ficou muito mais contido: apenas Ormen, ou O Verme. Na Grécia, o título ganhou um ar épico com Τα σαγόνια της Γης, traduzido como As Mandíbulas da Terra. Quase um Tubarão trocando o mar pelo deserto.
No Vietnã, o filme virou Rồng Đất, que significa Dragão da Terra. E, convenhamos: “dragão” é sempre uma forma de tornar tudo mais vendável.
Mas o grande destaque vem da Hungria, onde Tremors virou Ahová lépek, szörny terem, que pode ser traduzido como Onde eu piso, nasce um monstro.
E você pensando que títulos viajados eram exclusividade do Brasil, não é?
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