Os irmãos Philippou acertam mais uma vez com um conto perturbador sobre luto, maternidade e horrores domésticos
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Arte do filme de terror 'Faça Ela Voltar'. Foto: © A24 |
No cinema de terror contemporâneo, é comum vermos diretores que causam uma ótima primeira impressão e logo depois desaparecem em meio a promessas não cumpridas, filmes pretensiosos e narrativas arrastadas. Ari Aster, por exemplo, abalou o gênero com Hereditário e Midsommar, mas se perdeu completamente com Beau Tem Medo. Alex Garland começou bem com Ex Machina, conseguiu a proeza de transformar Aniquilação em um filme confuso, e caiu feio com desastroso Men: Faces do Medo.
Mas nem tudo está perdido. Há quem continue a surpreender, crescendo cada vez mais dentro do gênero. Jordan Peele, que começou com o celebrado Corra! e depois entregou Nós e Não! Não Olhe!, é um ótimo exemplo disso. A francesa Coralie Fargeat também provou que é possível manter consistência, com o violento exploitation feminista Vingança e o provocativo body horror A Substância.
Agora, esse seleto grupo de promessas que se confirmam ganha mais dois nomes: os irmãos australianos Danny e Michael Philippou. Revelados com o impactante Fale Comigo, uma pequena joia do terror moderno lançada em 2022, eles retornam com Faça Ela Voltar, um terror psicológico de cair o queixo, que já pode ser considerado um dos melhores filmes do gênero em 2025.
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Os irmãos Piper e Andy desconfiam que seu novo lar feliz pode esconder segredos sinistros em 'Faça Ela Voltar'. Foto: © A24 |
Faça Ela Voltar conta a história de Andy e Piper, dois irmãos que enfrentam a dor da perda e o medo da separação após a morte do pai. Quando Andy descobre que sua irmã será adotada até que ele atinja a maioridade, implora à assistente social para ficarem juntos. Pouco tempo depois, os irmãos estão sendo acolhidos por Laura, uma ex-assistente social que vive em uma casa remota com o filho pequeno, Oliver, e que também tenta superar a morte trágica de sua própria filha.
Aos poucos, Andy percebe que há algo de estranho naquele lar. E não me refiro apenas à relação desconfortante entre Laura e Oliver, pois a própria casa parece esconder mais do que cicatrizes emocionais. Andy logo percebe que ele e sua irmã estão sendo envolvidos em algo que vai muito além da simples adoção. Algo sombrio, ritualístico, talvez até demoníaco.
Sem revelar demais, vale dizer que o filme rapidamente mergulha no terror psicológico, com uma atmosfera opressiva e imprevisível. Há acenos ao famigerado “pós-terror”, com temas densos como trauma, maternidade tóxica, abandono e culpa. Mas calma, não pare de ler ainda: embora a estética e a ambientação carreguem uma vibe de “terror elevado”, os Philippou não abrem mão do horror físico, dos choques visuais e do bom e velho gore.
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Billy Barratt interpreta Andy no filme de terror 'Faça Ela Voltar'. Foto: © A24 |
Sim, há sangue. Bastante sangue. E horror corporal suficiente para fazer o espectador se contorcer na cadeira. A tensão é muito bem construída. O filme parece se deliciar em testar os nervos do público, trabalhando com pequenas perturbações até explodir em cenas intensas de violência física e psicológica. Há momentos genuinamente desconfortáveis, não por sustos baratos, mas pela sensação constante de que algo horrível está prestes a acontecer.
Não seria justo dizer que Faça Ela Voltar é “divertido”. Trata-se de um filme cruel, denso, pesado. Mas é o tipo de experiência perturbadora que, mesmo quando parece estar passando dos limites, deixa o espectador com os olhos arregalados e um sorriso torto no rosto, meio cúmplice, meio apavorado, como quem pensa: “Não acredito que eles estão fazendo isso”.
Sally Hawkins (A Forma da Água) está assombrosa como Laura, gentil em um momento, perturbadora no seguinte. Sua personagem caminha no limite entre a fragilidade e a loucura, e Hawkins transita com maestria por essa ambiguidade. Jonah Wren Phillips (série Sweet Tooth) está adequadamente arrepiante como o garotinho Oliver. Billy Barratt (Kraven, o Caçador) e a estreante Sora Wong são igualmente eficazes como Andy e Piper, formando uma dupla que transmite vulnerabilidade real e gera empatia imediata.
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Jonah Wren Phillips e Sally Hawkins como Oliver e Laura no filme 'Faça Ela Voltar'. Foto: © A24 |
O filme evita explicar demais, mas deixa pistas que permitem que o próprio público monte o quebra-cabeça e tenha uma noção, ainda que vaga, do que está acontecendo. As interações entre os personagens soam incrivelmente naturais, mesmo quando os acontecimentos escalam para o absurdo. Isso torna tudo ainda mais cruel, pois Faça Ela Voltar é, no fundo, um filme sobre laços familiares, abandono e a necessidade desesperada de encontrar segurança, mesmo que no lugar errado, com as pessoas erradas.
Com ecos de Hereditário, The Russian Bride e Vozes da Escuridão, mas personalidade própria o suficiente para caminhar com as próprias pernas, Faça Ela Voltar é um dos filmes de terror mais angustiantes e bem dirigidos dos últimos tempos. É incômodo, corajoso e, acima de tudo, fiel à sua proposta: incomodar, provocar e marcar. Apesar de pequenas quedas de ritmo e um desfecho que poderia ser mais ousado, acerta onde importa, e consolida os irmãos Philippou como dois dos nomes promissores do horror atual.
Nota: 8,2/10
Título Original: Bring Her Back.
Título Nacional: Faça Ela Voltar.
Gênero: Terror, suspense, mistério.
Produção: 2025.
Lançamento: 2025.
País: Austrália.
Duração: 1 h 44 min.
Roteiro: Danny Philippou, Bill Hinzman.
Direção: Danny Philippou, Michael Philippou.
Elenco: Billy Barratt, Sally Hawkins, Jonah Wren Phillips, Stephen Phillips, Sally-Anne Upton, Mischa Heywood, Sora Wong, Kathryn Adams, Brian Godfrey, Brendan Bacon, Olga Miller, Nicola Tiele, Frances Cassar, Asha O'Connell, Arianny Ross, Amya Mollison.
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